quinta-feira, 2 de outubro de 2014

BMW Berlin Marathon | One is done, five to go


Eu e as maratonas. Tudo começou em 2011. Uma pubalgia fez com que eu antecipasse a minha primeira maratona. Logo nessa altura, assumi o compromisso de querer correr uma maratona por ano, e, de preferência, sempre em locais diferentes. Só mais tarde fiz uma adenda  a esse compromisso, e que se tornou num «projeto de vida», a intenção de correr as seis World Majors Marathons! Haja saúde e dinheiro...

Berlim foi a primeira etapa. Tudo começou com a pré-inscrição. Primeiro, a desilusão de não ter sido sorteado. Depois, a excitação de ter sido aceite na segunda escolha. O objetivo ficou estabelecido. Baixar as 3 horas. Ambicioso mas exequível. Foram seis meses de preparação. Nos primeiros três meses, a palavra de ordem foi melhorar em todas as distâncias mais curtas. Prova superada. Estabeleci recordes pessoais em todas as distâncias que corri em pista: 400m (62,43); 800m (2.15,68); 1500m (4.34,00); 3000m (9.56,77); 5000m (17.33,9); e 10.000m (37.31,62). Nos outros três meses, o treino incidiu especificamente na preparação para a maratona. A menos de três semanas da prova, o azar bateu à porta. Lesão no tendão de aquiles. Houve dias em que dei tudo como perdido. Felizmente foi possível tratar ou pelo menos atenuar a lesão, mas a confiança ficou afetada.

Serve o texto acima para contextualizar a descrição que farei de seguida da minha participação na maratona de Berlim.

O antes da corrida

A necessidade de conciliar a participação na prova com uma viagem turística em família, minimizando ao máximo o número de dias em que o meu filho faltaria à escola, fez com que, contrariamente ao que é recomendável, viajasse para Berlim apenas no dia anterior à prova. Assim, o dia antes da prova foi tudo menos calmo. Acordar cedo (5h30), viagem, deixar a bagagem no hotel e ir a "correr" para a Feira do Evento levantar o dorsal.

Para meu azar, a feira era o sonho de qualquer atleta com stands e m2 a perder de vista de material desportivo. Resultado, uma canseira que era (in)dispensável...felizmente tive o bom senso de fazer um lanche ajantarado na própria feira (sim, bem sei que é kitsch mas a escolha recaiu na inevitável massa) e com isso "ganhei" algum tempo de descanso. No domingo, acordei novamente às 5h00 (6h00 alemãs). Pequeno almoço no hotel e às 7h15 locais saí para rua e tive o primeiro contacto com o tempo "fresquinho" (na altura estariam uns 8.º). A deslocação de metro e depois a pé e os preparativos pré-corrida (deixar a roupa no bengaleiro e ir à casa de banho) foram de tal maneira demorados que quando comecei a deslocar-me para a minha zona de partida (sector E - atletas com tempos entre as 3h15 e as 3h30) já só faltavam 10 minutos para partida. Na prática foi o meu aquecimento, pois fiz o percurso do bengaleiro até à entrada da zona da partida a trotar. Porém, não estava à espera que o afunilamento de atletas fosse tão grande e reconheço que na altura stressei um bocado quando percebi que a partida tinha sido dada e eu ainda nem sequer estava dentro da zona da partida. Apesar de tudo, nem tudo correu mal. Após entrar, tive o bom senso em deslocar-me para o lado esquerdo da zona da partida que claramente estava mais desafogado que o lado direito. Passado cerca de 2 minutos do tiro de partida estava eu a pisar os tapetes de ativação do chip e a começar a correr.

Os primeiros kms, corres o que te deixam não o que tu queres

A partida não diferiu muito de outras corridas com grande participação em que já estive. No entanto, cedo percebi que, apesar de ser impossível furar o pelotão que seguia à minha frente, a homogeneidade do nível dos atletas correspondeu aos meus intentos, segundo o meu garmin, apesar de ter corrido "tapado" pela imensidão de participantes à minha volta, o primeiro km foi corrido em 4:18/km.

A concentração de atletas fez com que os primeiros kms fossem corridos ao ritmo a que o enxame de atletas permitia e não ao ritmo a que provavelmente teria imposto, caso tivesse caminho aberto.

Depois da lesão e da falta de confiança que sentia em relação ao tendão, não alimentei grandes expectativas em relação à prova. Talvez por isso, não tenha perdido grande tempo a pensar em estratégias de corrida para eventuais diferentes cenários de desenvolvimento da prova. A única certeza que tinha, era a de que queria correr os primeiros 5 km a um ritmo ao km mais lento que o ritmo ao km que levava como referência para as 2h59 (4:16/km).

Esta sensação de impotência de não conseguir controlar o ritmo da "minha" corrida, em condições normais ter-me-ia deixado bastante stressado mas como continuava apreensivo em relação ao tendão (deu sinal de vida no avião, terá sido da altitude?) nem me preocupei. Aliás, cedo comecei a mentalizar-me que o importante era chegar aos 30 km em condições, independentemente da marca para que fosse. Era o nivelar por baixo das expectativas. Se conseguisse chegar ao fim sempre a correr, havia a quase certeza que pelo menos o recorde das 3h15 era batido.

«Ver as vistas», os sentidos e o «doping emocional»

Facto curioso. Contrariamente ao que eu pensei, a Maratona de Berlim não se proporciona a uma oportunidade de «ver as vistas» da cidade. No meio daquela molde humana, atletas, mas principalmente, público a apoiar (li algures que terão estado cerca de 1 milhão de espectadores nas ruas de Berlim), faz com que sensorialmente o sentido mais estimulado ao longo do percurso seja a audição em vez da visão. Os cheerings do público (a minha vénia aos dinamarqueses, finalmente vi uma nação ainda mais entusiasta que os espanhóis) e as imensas bandas ao longo do percurso (grande impacto, os grupos de percussão com tambores) são uma constante ao longo de todo o percurso. Foi rara, ao longo de todo percurso, a sensação de silêncio.

Por falar em sentidos, adoptei nesta corrida diversas estratégias mentais para superar a distância. Uma delas envolveu o tacto. Comprovei in loco o que já por diversas vezes tinha lido, corresponder aos "high five" do público, em particular das crianças, faz-nos esboçar um sorriso que parece tornar a corrida mais fácil.

Outra das estratégias, foi a escolha do local onde tentaria avistar a minha mulher e o meu filho. Lá estavam à passagem da 1/2 meia maratona e aos 37 km (dois pontos relativamente próximos em linha recta) e que funcionaram como "doping emocional".

Companhia lusa, da Nazaré

Os km foram se sucedendo, passagem aos 5 km em menos de 22 minutos, aos 10 km em menos de 44 minutos, mantinham-me a menos de 1 minuto de atraso para os tempos de passagem das 2h59, o que era um intervalo que eu admitia, num dia bom, realizando um negative split, ainda ser possível correr abaixo das 3 horas.

Por volta dos 16/17 km encontrei um atleta da Nazaré. Metemos conversa. Partilhámos as nossas agruras, ambos nos lesionámos nas últimas semanas antes de Berlim. E fomos juntos até para lá da 1/2 maratona. Se por um lado, foi agradável ter companhia durante algum tempo, por outro, a partida de determinada altura comecei a ter a sensação de que estava a correr a "corrida" de outra pessoa. Bastou uma ligeira picada no tendão, para que eu decidisse ficar no meu ritmo e deixar a companhia lusa seguir e puxasse do brufen que tinha levado em caso de s.o.s.

A prova começa aos 30 km

Atingi os 30 km com 2h10'34. Já levava um avanço de cerca de 3 minutos em relação a Málaga. Mas um pormenor fez toda a diferença. Desta vez, consegui chegar a esta fase com a atitude mental de que a prova ia efetivamente começar a partir desse momento. Quando cheguei aos 33 km, tive o kick de já só faltarem menos de dois dígitos para concluir a prova. Até me pareceu que tinha conseguido acelerar o ritmo, mas a verdade é que os parciais da prova me desmentem...

Nos últimos 5 km as dificuldades aumentaram.  A estratégia adotada foi dedicar cada um dos km seguintes a uma pessoa. Pais, irmão, filho e mulher foram as escolhas óbvias.

O «muro» tardou, mas sempre apareceu

Se há cidade em que é apropriado falar em muro, essa cidade é Berlim. No meu caso, o «muro» apareceu aos 40 km. Os dois últimos km foram bastantes difíceis em termos físicos. Surgiram-me ameaças de câimbras que exigiram força mental para resistir a tentação de parar.

O momento por mim mais aguardado de toda a corrida era sem dúvida a aproximação às portas de Brandenburgo. Propositadamente evitara passar junto das mesmas no sábado para que ao longo da corrida tivesse sempre presente essa "obrigação" de chegar às portas. Se chegasse era garantido que tinha a meta à minha mercê.

Curiosamente, foi precisamente aí que me aconteceu uma situação insólita. Ao aproximar-me das portas dei conta de um fotografo da Marathon Photo. Apesar de achar que se trata de um roubo os preços por eles praticados, lá fiz por tentar aparecer de forma cool nalguma foto. Porém, ao levantar os braços com os dedos em "v" de vitória tive imediatamente uma câimbra na perna esquerda que me fez ficar agarrado à perna. Foram breves os segundos de pânico, mas cheguei a imaginar-me a ter que ir até à meta a coxear. Felizmente o espasmo foi momentâneo. A brincadeira ter-me-á custado alguns segundos que teriam sido preciosos para que eu tivesse baixado as 3h05.

Conclusão

Foi sem dúvida uma experiência muito satisfatória, que correspondeu às muito altas expectativas que eu tinha. O resultado não foi o inicialmente desejado, mas atendendo às últimas duas semanas, fiquei bastante satisfeito com o meu resultado.

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